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Clínica de drogados é fechada na região por maus-tratos

Clínica de drogados é fechada na região por maus-tratos

Publicado em: 22 de março de 2013 às 11:48

Ainda sem saber o que estava acontecendo, a dona de casa Maria do Socorro chegou à delegacia de José Bonifácio na tarde de ontem. “Falaram que os internos da clínica estão apanhando e eu quero saber se é verdade. A gente paga R$ 1,2 mil por mês pelo tratamento”.

O irmão dela, J.A.S., 45 anos, era um dos internos da clínica de reabilitação Vida Limpa, interditada na manhã de ontem pela Vigilância Sanitária, com o apoio da Polícia Militar, do Conselho Tutelar e da secretaria de Saúde de José Bonifácio, cidade onde funcionava havia um ano, em uma fazenda.

O estabelecimento recebia pacientes de toda a região. Além de estar sem alvará de funcionamento, a clínica foi denunciada por maus-tratos, cárcere privado e lesão corporal.

Em meio a denúncias de tortura e condições precárias de sobrevivência, um adolescente de 14 anos que era paciente do local ainda relatou à polícia que havia sofrido abuso sexual por parte de internos.

A reportagem constatou a falta de higiene da clínica. Na dispensa, alimentos eram deixados no chão. Carnes e comidas preparadas, como o arroz, eram guardadas fora da geladeira, estavam cobertas de moscas e cheiravam mal. “O que eles relataram e o que nós vimos não deixa escolhas a não ser interditar totalmente. Não há condições de sobrevivência aqui”, afirmou o secretário de Saúde de José Bonifácio, Endry Franceschi.

Quando as equipes do município chegaram até a clínica na manhã de ontem, encontraram quatro jovens presos em um cômodo pequeno onde não havia colchões, apenas uma maca de ferro e um balde onde eles urinavam. Os quatro jovens que estavam no cômodo afirmaram ter sido agredidos e disseram que esse tipo de conduta acontecia com frequência.

J.A.S. é um dos que confirmam a situação. Ele estava na clínica há três meses a pedido da família por problemas com álcool. “Aqui a gente apanhava, comia coisa estragada e se desobedecesse os monitores, a gente ficava preso na sala de detenção”. A sala funcionava no cômodo onde os quatro jovens foram encontrados confinados.

Além desse, no entanto, havia um outro cômodo pequeno que também seria usado, de acordo com os pacientes, para o confinamento. “Mas esse aqui era pior porque era menor e quando eles colocavam muita gente não dava nem para respirar”, afirmou um adolescente, 15 anos, apontando para o cômodo. Ele relatou que os funcionários chegavam a colocar quatro pacientes no local.

No total haviam 43 dependentes químicos internados na clínica, sendo que 15 deles eram adolescentes entre 14 e 18 anos. A maior parte dos pacientes pagava de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil mensais pelo tratamento, mas alguns tinham a internação custeada por prefeituras de cidades da região.

Em entrevista ao Diário na semana passada, para comentar a história de duas mães que tinham seus filhos adolescentes internados no local, Milton Américo, o dono da clínica, afirmou que tinha convênios com as prefeituras de Paulo de Faria, Sales e Buritama.

Ele ainda frisou que oito dos adolescentes internos eram da cidade Buritama. A reportagem tentou entrar em contato com as prefeituras, mas não localizou representantes. Um dos adolescentes de Buritama confirmou as denúncias de maus-tratos. “Eu fiquei amarrado por cordas na maca de ferro da sala de contenção vários dias . Eles colocavam a gente lá só de cueca, batiam, amarravam, jogavam água gelada e deixavam sem comer”, relatou o jovem de 15 anos. Sua mãe procurou a internação porque ele era usuário de cocaína e maconha. “Mas ela não sabia que era assim”, garante o jovem.

Um outro paciente, 28 anos, afirma que ficou mais de 20 dias na sala de contenção. Ele tem uma cicatriz que teria sido decorrente de um soco que levou de um dos internos. Os pacientes relataram que tentavam avisar suas famílias, mas eram ameaçados pelos funcionários da clínica. Ontem, telefonaram para as famílias, relatando a interdição. No final da tarde, 80% já tinham voltado para casa. Os demais, deve, deixar a clínica hoje.

Sandra Regina de Souza Pereira, 43, conforme matéria publicada pelo Diário anteontem, era funcionária do escritório que a clínica mantinha em Rio Preto para pagar a internação de seu filho de 16 anos. Ela estava inconformada com a situação. “Eu não acredito. Meu filho foi espancado e dopado”.

A clínica fazia internações compulsórias e voluntárias. Apesar de estarem em tratamento pela dependência química, os internos podiam fumar 15 cigarros por dia. “De sábado e domingo a gente podia fumar um maço inteiro”, contou um paciente, 15 anos.

O promotor da infância e juventude de Buritama, José Márcio Rosseto Leite, informou que está orientando o Conselho Tutelar de José Bonifácio e de cidades da região que tinham adolescentes internados a entregar os jovens a seus representantes legais e a formalizar relatórios com a situação de cada um deles para a promotoria de suas cidades para que, caso seja necessário, o município possa buscar outra internação. A Polícia Civil de José Bonifácio instaurou ontem mesmo um inquérito para apurar as denúncias.

‘Onze dias agonizando’

Além das investigações que começaram ontem, a clínica Vida Limpa já era alvo de um inquérito policial aberto em novembro de 2012 a partir da denúncia do pai Antônio Carlos de Souza, 51. O frentista internou seu filho de 31 anos na clínica no ano passado e se arrepende. “O meu filho precisou operar o baço de tanto apanhar. Ele ficou onze dias agonizando e eles me falavam que tudo estava bem, que ele estava aceitando o tratamento”, relata Antônio.

O filho é usuário de crack e chegou a viver na rua. Em um momento de desespero, Antônio soube da clínica e foi acolhido de imediato. “Eu liguei para o Milton (dono da clínica) e ele falou que poderia buscar o meu filho se eu pagasse R$ 300”. A história é parecida com a de Kênia Ambrósio da Silva, 35, que, conforme o Diário mostrou em matéria anteontem, internou seu filho de 16 anos há duas semanas, mesmo sem ter como pagar, por temer que ele morresse nas drogas ou no crime.

“Eles me prometeram que ele teria médicos, psicólogos, todo o acompanhamento e agora eu precisei buscar meu filho nessa situação”, relatou inconformada. Antônio Carlos, por sua vez, não se surpreendeu com a interdição do local já que desde novembro lutava por isso. Ele já havia notificado a prefeitura de José Bonifácio e a polícia que, desde então constataram que a clínica funcionava sem alvará. “Porque já não fecharam? Iam esperar alguém morrer?”. A prefeitura alega que deu prazos para que a clínica se regularizasse, o que não aconteceu.
(Daniela Penha – Diário da Região)

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