FIM DO SONHO: Justiça manda Sem Terra desocupar área em Votuporanga
FIM DO SONHO: Justiça manda Sem Terra desocupar área em Votuporanga
Publicado em: 23 de julho de 2013 às 07:56
Fica perto de Votuporanga a mais nova meca dos sem-terra no Estado de São Paulo.
São 3 mil acampados, segundo os líderes, espalhados em barracas de lona ao longo de 20 quilômetros da estrada de terra que liga Cosmorama a Sebastianópolis do Sul.
Das 16 fazendas que reivindicam nas imediações, os sem-terra invadiram parte de oito, o que motivou liminar da Justiça determinando a imediata reintegração de posse.
Ontem pela manhã, a Polícia Militar esteve com uma oficial de Justiça no local para cumprir a medida. Ficou acordado que os sem-terra terão dez dias para desocupar as fazendas, e voltar para a beira da estrada. As 16 propriedades visadas somam 44,2 mil alqueires, arrendadas para o grupo Noble Brasil S/A, proprietário de usina em Sebastianópolis. Área grilada, com problemas na escritura, garantem os sem-terra.
Criado em maio com 600 pessoas, o acampamento já é o maior do Estado, segundo o Incra. Há gente de todo canto: Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Roraima, Pernambuco e até cinco sem-terra paraguaios.E não param de chegar mais famílias, pelo menos cinco por dia. “A gente sonha com nosso próprio pedaço de chão”, disse a lavradora Maria Aparecida dos Santos, 57 anos, enquanto montava o seu barraco. Ao lado, os seus poucos móveis - cama, fogão, armário.
Quem atraiu tanta gente foi José Roberto Coutinho, o Lula, 52 anos, 15 de militância agrária, ligado à Federação da Agricultura Familiar (FAF), braço da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Essa região tem muita terra grilada. Levantei 26 mil alqueires (63 mil hectares) no total. Tem fazenda com mais de 2 mil alqueires só com quatro escriturados”, diz.
Com a promessa de um pedaço dessa terra toda para cada família, Lula montou escritório na casa dele em Votuporanga e passou a cadastrar as famílias, em abril. Lá, os interessados precisam preencher um cadastro - que, segundo Lula, é entregue ao Incra - e pagar taxa única de R$ 35. “É para manter o escritório e os gastos do acampamento, como segurança.” Se Lula inscreveu as 3 mil famílias que apregoa, já arrecadou R$ 122 mil com a taxa.
O último passo é montar o seu barraco na margem da estrada e ter paciência - nenhuma das propriedades reivindicadas por Lula está na lista de vistorias do Incra para este ano, de acordo com a assessoria do órgão. A vistoria técnica é o primeiro passo para possível desapropriação. Mas os acampados prometem resistência. “Espero o tempo que for preciso”, diz Odilia Medeiros Junqueira, 64 anos, que morava em Valentim Gentil.
Minicidade
Não há energia elétrica no acampamento, muito menos água encanada. O jeito é se virar com lampiões a gás, geradores a diesel e velas, e furar cisternas na terra. Apesar do improviso, o acampamento conta com um comércio incipiente, como bares e uma mercearia, iniciativa da acampada Gildete Maria de Jesus Gotardi, 41 anos. “A gente vende bem, aqui é meio longe de tudo”, diz.
Mas, como a maior parte dos acampados trabalha na cidade - alguns têm casa pela região - os barracos ficam vazios nos dias úteis, quando Lula governa uma cidade fantasma. “Meu movimento é pelos pobres. Não esperava mil pessoas aqui e já tem 3 mil. Sinal de que estou no caminho certo”, diz, com ar satisfeito.
Líder teme ação de capanga
O acampamento em Cosmorama é o maior já liderado por José Roberto Coutinho, o Lula, mas não o primeiro. São 15 anos que esse homem pardo, de fala mansa, milita na reforma agrária. Ele não mora na beira da estrada - “se eu dormir aqui algum capanga pode me matar” - mas tem escritório no local, cercado com grades e pintado do mesmo vermelho da pedra do anel que leva no dedo. “Aqui é a prefeitura”, anuncia, orgulhoso.
Na babel que se tornou o acampamento, poucos se conhecem. Mas todos, invariavelmente, sabem quem é Lula. O militante já esteve acampado em Mato Grosso, Pará e até Paraguai. Ele diz ter sido testemunha ocular do massacre de Curuguaty, no país vizinho, quando seis policiais e 11 camponeses morreram durante operação de despejo dos sem-terra, em junho do ano passado. O episódio foi o estopim do impeachment do então presidente paraguaio, Fernando Lugo.
Lula nega que tenha pego em armas na luta pela terra. Mas um irmão seu foi preso no ano passado em Andradina, acusado de matar dois posseiros em Redenção, no Pará. Escaldado da violência no campo, ele promete cumprir o prazo para retirar os acampados de dentro das fazendas em Cosmorama. “Não concordamos com a metragem da estrada (15 metros de uma cerca a outra, segundo a Justiça), mas vamos cumprir”, diz.
Mesmo assim, faz ameaças. “Não tem como os fazendeiros correrem. Se quiserem vender, vão levar no Incra e fazer acerto com eles lá.” A fala grossa, afirma Lula, é só em favor dos outros. Ele garante que não vai pleitear um possível lote na região. “Líder da militância não ganha terra.” Nos últimos dias, o clima no acampamento ficou tenso, depois que, segundo os sem-terra, dois homens passaram pela estrada, xingaram Lula e atearam fogo em alguns barracos. Desde então, os acampados contam com oito seguranças, que fazem ronda de moto pelo acampamento à noite.
‘Está tudo legalizado’
O advogado Alexandre Atiê Murad nega que a fazenda de sua avó, Lourdes Morandi Murad, seja improdutiva ou tenha problemas de escritura. “Está tudo legalizado, arrendado para o plantio de cana”, diz. A fazenda em Cosmorama, de 440 hectares, foi parcialmente invadida pelos barracos dos sem-terra em maio. “Tivemos de impetrar ação de reintegração de posse com pedido de liminar para a retirada imediata dos acampamentos”, diz Alexandre.
Em maio, o juizado da 1ª Vara de Tanabi concedeu a liminar. “Expeça-se mandado de desocupação do imóvel rural, envolvendo apenas os barracos que foram construídos da cerca para dentro, os quais deverão ser demolidos e retirados”, escreveu o juiz, não identificado na sentença publicada no diário oficial.
O advogado Arnoldo de Freitas Júnior, contratado pelo grupo Noble Brasil S/A para impetrar outra ação de reintegração de posse contra os sem-terra, afirmou que ainda aguarda o cumprimento de liminar favorável à empresa. Outro advogado contratado pelo grupo, Davi Mansano, não quis se manifestar sobre o imbróglio. Ninguém do grupo Noble, arrendatário das fazendas pleiteadas pelos sem-terra em Cosmorama, foi localizado ontem no escritório em São Paulo para comentar o caso.
(Allan de Abreu – Diário da Região)
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