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Mulher de Votuporanga se nega medicar filha pela fé e vira polêmica

Mulher de Votuporanga se nega medicar filha pela fé e vira polêmica

Publicado em: 28 de outubro de 2012 às 08:50

Rubens Cardia Geneticista Agnes Cristina Fett: embora incurável, autismo pode ter os sintomas tratados
A decisão do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, que manteve a decisão da Vara da Infância e Juventude de Votuporanga e obrigou a dona de casa A.L.C., 27 anos, a medicar a filha de 9 anos, portadora de autismo, trouxe à tona a polêmica da interferência da fé na prática da medicina. A dona de casa afirma que recebeu um “sinal de Deus” para deixar de fornecer os medicamentos à filha e que desta maneira ela seria curada do autismo, uma doença psiquiátrica que altera o comportamento e é classificada como incurável pela medicina.

A mensagem teria vindo por meio de um sonho que a mãe dela, avó da garota, teria tido há um ano e meio. Evangélica e membro da igreja pentecostal Deus é Amor, de Votuporanga, A.L.C. afirma que é fiel a Deus e que os sinais e mensagens dele na terra devem ser seguidos. “Acredito que foi Deus quem pediu. Não foi um sonho à toa. Tudo que o Nosso Senhor fala ele cumpre”, afirmou. De acordo com a prescrição médica, a menina precisa dos medicamentos haloperidol, neuleptil e verotina para ficar calma e não agredir outras pessoas.

Sem os medicamentos, a mãe afirma que a filha continuou bem, mas admite que os professores da escola onde a menor estuda reclamaram que ela estava com comportamento alterado. “Elas falaram que ela tinha piorado, mas não acredito nisso. Tenho fé de que Deus mandou essa mensagem e que ela será curada”, diz. Segundo funcionários da escola, que terão suas identidades preservadas pelo Diário, a menina agrediu funcionários da instituição, praticou autoagressão e estava com oscilação de humor, sintomas de irritabilidade e ansiedade.

Foi então que questionaram a mãe e descobriram que ela havia parado de tomar remédio. “Ela teve um retrocesso muito grande quando parou de tomar o remédio. Era visível as mudanças bruscas de humor dela”, disse uma funcionária. A escola então exigiu que A.L.C. assinasse um termo de responsabilidade por conta da ausência do remédio e enviou o documento ao promotor José Vieira da Costa Neto, da Vara da Infância e Juventude, que, por sua vez, entrou com ação civil contra ela. Ao promotor, a dona de casa afirmou que havia jogado fora os medicamentos, alegando motivos religiosos.

Para Costa Neto, a criança tem o direito ao tratamento médico, o que não pode ser interrompido sem prescrição médica. “É sabido que quanto antes se iniciar o tratamento do autismo melhores serão os resultados. O objetivo dos medicamentos é fazer com que o indivíduo tenha vantagem nos tratamentos educacionais e comportamentais, portanto não pode ser suspenso”, disse.

Apesar de a dona de casa se apegar na fé para interromper o tratamento da filha, o promotor acredita que a decisão dela não tenha sido motivada pela igreja que ela frequenta. “Chamei a pastora para conversar e ela também tentou convencer a mãe de que a filha precisa dos medicamentos. Foi uma decisão pessoal da mãe baseada na fé”, afirma. Na sentença, a desembargadora do TJ Claudia Pessoa argumenta que o direito da criança à saúde se sobrepõe à crença religiosa da mãe. “A prescrição médica para a criança (...) não pode ser descontinuada por motivos religiosos, sob pena de afronta ao princípio da dignidade humana”, escreveu.

A doença

Embora o autismo não tenha cura, seus sintomas podem ser tratados para que a pessoa tenha melhor qualidade de vida, diz a geneticista Agnes Fett Conte. “A medicação é indicada em casos de comportamentos que levam prejuízo na qualidade de vida, como uma criança que é hiperativa”, diz.

Hamilton Pavam Helencar Ignácio: os testemunhas de Jeová são os que mais interferem na medicina Todas as religiões têm restrições à medicina

Casos como o da dona de casa A.L.C., 27 anos, que, em nome de Deus, não quer dar remédios para a filha com autismo, evidencia a interferência da religião sobre a prática da medicina e das ciências. São os católicos assumindo publicamente o discurso contra métodos contraceptivos e pesquisas com células-tronco de embriões e os Testemunhas de Jeová, que não permitem transfusão de sangue, mesmo mediante risco de morte. Existem ainda templos evangélicos e outras denominações religiões que pregam a cura pela fé, sem necessidade de remédio.

Nos últimos quatro anos, em pelo menos três casos, hospitais de Rio Preto precisaram de autorização judicial para fazerem transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Em 2010, no Hospital Austa, por exemplo, um bebê de 14 dias foi salvo graças à transfusão de sangue feita por ordem judicial. Ele estava com anemia e insuficiência respiratória, mas a família não autorizou o procedimento.

O ortopedista Helencar Ignácio, do Hospital de Base de Rio Preto, afirma que as testemunhas de Jeová são os que mais interferem na prática da medicina. Segundo ele, em casos de cirurgias eletivas, é possível fazer um tratamento para evitar o uso dos glóbulos vermelhos no procedimento. O problema ocorre em casos de emergência, quando existe a necessidade de transfusão de sangue imediata. “É quando precisamos de autorização judicial, o que demanda tempo precioso para salvar a vida do paciente”, diz.

Para o ancião Marcos Roberto Munhoz, do Salão do Reino das Testemunhas de Jeová de Rio Preto, a religião segue a Bíblia. “E no livro sagrado é mencionado que o sangue é sagrado e não pode ser usado”. afirma. O teólogo Silas Guerreiro, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, afirma que em cada religião existe um impedimento com relação à medicina. “Todas têm polêmicas entre corpo e cura. Recentemente, o sistema médico se separou da religião. Antes, os dois caminhavam juntos. Hoje tem muito pastor falando ao fiel para não tomar remédio porque Deus vai curar”, diz.

Esse tipo de postura, de acordo com o presidente do Conselho dos Pastores de Rio Preto, Gilbean Ferraz, é considerado irregular pelos evangélicos. Segundo ele, a religião acredita que Deus cura de maneira sobrenatural, porém nenhum dos pastores deve incentivar abandono de remédio. Para ele, qualquer pastor ou padre que prega como pecado tomar remédio, deve ser penalizado. “Não questiono a fé das pessoas, porém não devem deixar de fazer tratamento médico.”

A Igreja Católica condena a fertilização in vitro, células-tronco de embriões e métodos contraceptivos. O padre Márcio Tadeu Reiberti Alves de Camargo, especialista em bioética de Rio Preto, afirma que a igreja priva pela dignidade humana. “No caso das células-tronco de embriões, acreditamos que o embrião já carrega todo o sentido da vida.”





(Elton Rodrigues - Diário da Região)

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