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População de cidades da região não tem médicos à noite

População de cidades da região não tem médicos à noite

Publicado em: 02 de junho de 2013 às 09:48



Há duas semanas, a ginecologista Carla Sueli Ávila Cavallini, 47 anos, salvou a vida de um diabético na pequena Nova Luzitânia, cidade a 110 quilômetros de Rio Preto. Com níveis baixíssimos de glicose no sangue, o homem precisava de atendimento imediato. “Se não tivesse médico por perto, ele morreria por falta de oxigenação no cérebro. Impossível viajar 40 quilômetros até Nhandeara”, diz. Por sorte, a situação de emergência surgiu durante o dia.

O problema é quando acaba o horário de atendimento, o médico vai embora, a única UBS fecha e não há nenhum outro que more no município. Na região, são 44 municípios nessa situação, todos pequenos e carentes. Apenas dois oferecem atendimento 24 horas: Ipiguá e Mirassolândia. Os demais se limitam ao horário comercial - fora dele, há apenas ambulâncias disponíveis para levar o paciente ao hospital mais próximo. Em casos mais graves, a espera pode ser fatal.

Há dois meses, a mãe de Silvio Luiz Perinoto, 49 anos, moradora de União Paulista, morreu a caminho da Santa Casa de Monte Aprazível. Maria José, 81 anos, teve complicações da diabetes durante a noite, quando a única Unidade Básica de Saúde (UBS) já não conta com médicos. Sem alternativas, a mulher foi colocada em uma ambulância, mas não suportou a viagem de 35 quilômetros até Monte Aprazível. “Se tivesse um médico aqui, poderia reanimá-la, e ela não teria morrido”, afirma Perinoto.

A coordenadora de saúde de União, Silvana Pícolo, admite que a falta de médicos entre os moradores da cidade de 1,6 mil habitantes é um entrave. “Temos uma boa estrutura na UBS para o porte da cidade, com quatro médicos, mas com um profissional local o contato seria mais fácil, em caso de urgência”, afirma.

Além do horário reduzido na UBS, importar médicos de cidades maiores pode causar outros transtornos para o atendimento, como os atrasos. Em Três Fronteiras, não é raro que o médico deixe os pacientes na mão porque teve problemas mecânicos no carro e ficou no meio da estrada, segundo a diretora de Saúde, Aline Luciana Bezerra Dias.

Assim como em boa parte do País, a região sofre com a má distribuição de médicos. São 3,3 mil na área do Departamento Regional de Saúde, com 101 municípios, média de 2,2 para cada mil habitantes, muito acima do mínimo considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas, desse total, 58,6% estão em Rio Preto. “A atividade médica depende de uma boa infraestrutura na área, que boa parte das cidades menores não têm. Além disso, os salários quase nunca são atraentes. Em Rio Preto a realidade é diversa, o profissional tem perspectiva de crescimento”, diz o presidente da Sociedade de Medicina de Rio Preto, Giovani Furtado.

Carla é o melhor exemplo de médico peregrino. Residente em Rio Preto, ela viaja 800 quilômetros toda semana para atender nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) de Nova Luzitânia e Nova Castilho. Chega a rodar 15 quilômetros em estrada de terra batida entre as duas cidadezinhas, e almoça em um distrito no meio do caminho.

Apesar da rotina pesada, não pensa em deixar a casa em Rio Preto. “É uma vida muito corrida, mas em uma cidade maior, posso dar uma educação de qualidade aos meus filhos, algo que não teria em um município menor.” A ginecologista não reclama. “Gosto de trabalhar em cidades menores, a relação médico-paciente é mais próxima”, diz Carla, que, além de ginecologista, também acumula a direção do posto de saúde de Nova Luzitânia.

Tanto tempo na estrada exige disposição e cuidado redobrado com o automóvel por parte da médica. “Meu carro é novo, e sempre cuido da manutenção”, afirma Carla. Mesmo assim, em março, ela rodou na pista da rodovia Feliciano Salles de Oliveira. “Tinha três cachorros, fui desviar e perdi o controle do carro, que foi parar na terra.”

A exemplo dela, o pediatra Luiz Antonio Munhoz Bogaz, 60 anos, se desdobra para dar atendimento em quatro municípios da região. Ele tem clínica particular em Monte Aprazível, onde mora, e Rio Preto. Mas também dá expediente em Nipoã e Planalto, três dias na semana. Ele calcula viajar, semanalmente, mais de 500 quilômetros.

“Tem dia que eu acordo antes das 6h e trabalho até as 22h30”, afirma. Antes, a rotina era ainda mais pesada, quando também atendia em Neves Paulista. “Pediatra está em falta no mercado”, argumenta. A vantagem de trabalhar em cidades menores é a proximidade com o paciente. “Conheço a maioria das famílias desses municípios. Esse convívio ao longo do tempo facilita o atendimento”, diz Bogaz.







Até estrangeiro é contra ‘importação’

Até o médico colombiano Fernando Góngora Rubio é contra a importação de médicos estrangeiros, como está sendo cogitado pelo governo federal para suprir a carência de profissionais em regiões remotas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, e mesmo nas cidades menores do Estado de São Paulo. “Temos aqui médicos em número suficiente, mas eles estão mal distribuídos geograficamente. O governo deve criar atrativos para esse deslocamento”, argumenta.

Atualmente, 12 médicos formados no exterior tentam obter o registro profissional por meio de ações na Justiça Federal de Rio Preto. Outros três, pelo menos, já atuam legalmente na cidade, todos colombianos. Rubio é um deles. Professor-adjunto do departamento de doenças infecciosas da Famerp, se graduou na Colômbia, e chegou ao Brasil no fim dos anos 80. Na época, ainda não havia o polêmico Revalida, prova exigida pelo Conselho Federal de Medicina para permitir que médicos formados no exterior atuem no País.

Em artigo publicado hoje na página 2A, do Diário, o cardiologista Domingo Braile alerta para a intenção do governo de “tapar o sol com a peneira”. Segundo ele, “não será aumentando o número de faculdades de medicina sem critérios de qualidade ou importando médicos mal formados, sem submetê-los a rigorosos exames de conhecimentos, que será resolvido o crucial problema da assistência à saúde no Brasil”.

O advogado José Galhardo Viegas de Macedo, que cuida da maioria das ações judiciais movidas por médicos estrangeiros no Estado, critica o Revalida. “Ninguém passa (no exame), e é leviandade dizer que os candidatos não têm nível técnico suficiente. Tenho clientes formados em Havard (universidade norte-americana) que não conseguem passar”, diz. Para ele, o governo deveria aplicar prova parecida com a exigida dos alunos da graduação, o Enade.

A abertura de novos cursos de medicina na região também não é vista como solução. Só em Rio Preto, são 80 vagas anuais na Unilago e mais 80 na Faceres. A primeira turma se forma nas duas instituições em 2018. Mas a maior oferta desses profissionais no mercado não significa, necessariamente, mudanças na concentração geográfica da categoria, na opinião do mantenedor da Faceres, Toufic Ambar Neto.

“A fixação do médico depende de alguns fatores. O primeiro é a estrutura oferecida a ele, seguida pela estabilidade no emprego, a progressão na carreira e o perfil do médico. As universidades estão muito voltadas à formação de especialistas, mas municípios menores precisam de generalistas”, argumenta.

Entidade sugere ‘escala’ para médico novo

Vincular o médico ao governo estadual, com um plano de carreira definido. Assim, recém-formados teriam de cumprir um tempo, devidamente remunerados, em cidades menores e só depois haveria a opção de ir para centros maiores. A proposta é vista pela Sociedade de Medicina de Rio Preto como uma possível solução para a falta de médicos nas pequenas cidades.

“Só assim o profissional deixaria de depender do humor do prefeito de plantão”, afirma presidente da Sociedade de Medicina de Rio Preto, Giovani Furtado. Médicos recém-formados em faculdades públicas teriam, desta forma, a obrigação legal de atuar nesses municípios durante um determinado tempo. Para o Conselho Regional de Medicina (Cremesp), a má distribuição dos médicos pelo Noroeste paulista é resultado direto de falhas de gestão na saúde pública brasileira. “Os prefeitos até oferecem bons salários em alguns casos, mas não há estrutura adequada de atendimento. E o médico sozinho não faz milagre”, afirma Pedro Teixeira Neto, presidente regional da entidade.

Ele reprova a ideia do governo federal de flexibilizar a contratação de médicos estrangeiros para solucionar a escassez de profissionais nas cidades menores. “Saúde é coisa séria. Não dá para fazer experimentalismos”, critica.
Concursos públicos para contratar médicos nas pequenas cidades do Noroeste paulista costumam fracassar. No ano passado, a Prefeitura de Pontes Gestal abriu concurso para contratar um clínico geral por R$ 7 mil, com carga horária de 40 horas. Nenhum candidato apareceu.

No ano anterior, a Prefeitura de Aspásia havia aberto concurso para contratar um pediatra e um ginecologista por R$ 1,5 mil, para 20 horas semanais - em Rio Preto, um clínico-geral ganha, em média, R$ 6,9 mil para 40 horas semanais.
O único que prestou a prova não atingiu a pontuação mínima. “Não temos recursos para oferecer um salário mais alto”, diz a coordenadora da área, Adriana de Oliveira. Os três médicos que atuam no município, todos contratados, são da vizinha Jales.

Ter um médico entre os moradores chegou a ser tema de campanha política, ano passado. Em Dirce Reis, uma das promessas do então candidato Roberto Visoná era atrair um médico para morar na cidade de 1,6 mil habitantes. Eleito, negocia com uma médica de Jales a mudança para o município - será o primeiro médico a morar na cidade. “Estamos procurando uma casa que seja do gosto dela”, diz o prefeito. “Com ela aqui, a gente pode estender o horário do postinho até as nove da noite.



(Allan de Abreu – Diário da Região)

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