A Justiça de Votuporanga suspendeu um concurso público organizado pela Prefeitura de Álvares Florence com prova marcada para o próximo dia 5.
Na sentença o juiz também determina que a Polícia Militar acompanhe o caso e, se for preciso, interfira pra evitar a realização do concurso.
Entre as alegações estão indícios de irregularidades, dentre elas na elaboração do edital e contratação da empresa responsável pela aplicação da prova.A denúncia foi formalizada pelo Ministério Público, com base em denúncias e investigação.
A SENTENÇA
"Fica suspensa a realização da prova do concurso 01/2019 programada para o dia 05/05/2019. Fica suspensa a execução do contrato administrativo 68/2018. Em caso de tentativa de descumprimento da ordem incorrerão o prefeito e todos os servidores participantes da realização do concurso em ato de improbidade administrativa e preferencialmente para perda de seus cargos. Intime-se por mandado a Prefeitura. Solicite-se divulgação por rádio e jornal locais. E, por último, se houver insistência da realização da prova: comunique-se de pronto a Polícia Militar do Estado para que impeça o ato no dia e hora marcado e prenda em flagrante por crime de desobediência servidores municipais e agentes da empresa Seta Consultoria e Serviços que comparecerem e insistirem em descumprir a ordem expressa de não fazer Fundamentos. Começo já dizendo que este juízo não é açodado e não toma decisões bruscas desnecessariamente. Ponderei bastante sobre formas de adequar a tutela como, por exemplo, colocar todos os prováveis candidatos beneficiados em uma sala separada e recolher suas provas de imediato para evitar correção ou troca de gabaritos. Ocorre que se a fraude ocorrer como diz o Ministério Público a medida seria absolutamente inócua, já que os candidatos teriam acesso prévio ao gabarito. Assim, mesmo que recolhêssemos as provas, não haveria ali fraude e muito provavelmente o resultado não seria de qualquer forma diverso daquele já esperado. Pensei em excluir os candidatos que seriam beneficiados. Mas isso seria uma solução inadequada para o processo. A uma porque não sabemos ao certo se todos os nomes indicados são participantes conscientes do ilícito. A duas porque há indício severo de ilicitude na contratação da empresa e na confecção de edital, o que afasta a lisura da prova com ou sem os supostos beneficiados. De nada adiante tirar um candidato para que Prefeito ou servidor possa simplesmente colocar outro diverso em preferência. O que deve ser coibido é a possibilidade de escolha no resultado do concurso. E para isso não há outra forma, infelizmente. Justifico indícios de prova e que levam à decisão. A empresa vencedora do certame, conforme consulta realizada pelo Ministério Público, não está devidamente constituída e registrada perante a Junta Comercial do Estado (fls. 24), o que por si, viola o edital conforme edital a fls. 296, itens "c" e "d". A realizadora do concurso não poderia, em tese, ter sido selecionada. Dois vereadores do Município, agentes públicos eleitos também para fiscalização municipal, compareceram ao Ministério Público e declararam que havia alta suspeita de que o concurso seria realizado para acomodação de pessoas específicas - são os vereadores Jair Arcanjo da Silva e Marcia Verônica da Silva Chiarelo Commar. Municípios pequenos não raro são palcos de rixas políticas severas (pela paixão e não pelo tamanho) pelo que fossem apenas declarações abstratas de possibilidade de fraude, exigir-se-ia cuidado maior na valoração das manifestações. Ocorre que Marcia, não apenas relatando a possibilidade de fraude, apresentou nomes em concreto de pessoas que seriam beneficiadas. Inicialmente levou ao MP 17 nomes, aumentando a lista, após a publicação do edital e relação de inscritos, para 43 nomes. Novamente, é preciso cautela para avaliar a situação. Não é porque alguém é conhecido ou parente do Prefeito ou outro servidor municipal que ele será beneficiado e só por esse motivo. Uma segunda lista de possíveis cartas marcadas no concurso foi obtida pelo Ministério Público através de munícipe de Álvares Florence. Há uma correlação de nomes entre as duas listas. E mais uma vez eu entendo a necessidade de sermos cuidadosos na avaliação das denúncias, já que o sentimento pessoal de uma pessoa pela possibilidade de fraude não é em si indício de fraude. Ter cuidado, contudo, não significa desconsiderar o que é apresentado ao juízo. É pressuposto de fraude a falta de luz. Esperar holofote na malícia é torcer desesperançoso pela estupidez alheia. É na montagem de pequenas peças que se constrói uma possível ideia do quadro por trás da aparência. Somam-se, até agora: (i) seleção de empresa que objetivamente não poderia ser selecionada para realização do concurso; (ii) manifestação de dois vereadores do município e que declaram expressamente que o concurso era encomendado; (iii) a obtenção de duas listas, por fontes distintas, pelo Ministério Público, e de possíveis futuros beneficiados pela fraude. Há mais. A estrutura de prova é altamente suspeita. O concurso abrange cargos tão variados e tecnicamente diversos que não deixa de sugerir descaso e possível intencional diluição da possibilidade de fiscalização de eventual fraude A lista completa de cargos integrados no certame está a fls. 279/280. Vejamos alguns exemplos que se encontram em posições diametralmente opostas em um quadro abstrato de profissões: agente comunitário de saúde, auxiliar administrativo, contador, coveiro, diretor de escola municipal, dentista, encarregado de estradas, enfermeiro, engenheiro civil, médico e médico de estratégia da saúde da família, merendeira, operador de máquinas, procurador público e vigia noturno. Aliás, tem um cargo interessante ali que eu não entendi muito bem - professor de educação básica II - mental. É quase um quadro municipal completo num concurso só. Não digo que não seria possível, embora absolutamente difícil. A realização das provas, neste caso, deveria observar, por óbvio e sensato, a peculiaridade de cada profissão e suas respectivas atribuições. Só que isso não acontece aqui. Será aplicada apenas uma prova objetiva para seleção de aprovados, sem aferição qualquer, independente de cargo, da aptidão subjetiva dos candidatos. E o conteúdo das provas será, em 75%, absolutamente idêntico para todos. Assim é a estrutura de prova de todos os candidatos: 10 questões de língua portuguesa, 10 questões de matemática, 10 questões de conhecimentos gerais e 10% de questões específicas. Nota-se, assim, que somente em 10 questões a prova de interessados em assumir cargos absolutamente distintos será diversa. Eu gostaria de transcrever um trecho da inicial e que delimita uma possível consequência dessa estrutura: Ao final, será selecionado um Médico que pode saber pouco de medicina, mas é ótimo em matemática e acompanha todas as divulgações da grande mídia. Bem como um Controlador Interno que nada sabe sobre o exercício de suas funções. Do mesmo modo, um Procurador Público, um Dentista, um Nutricionista, uma Psicologa, diversos Professores, etc. Parece, e com suposição razoável, que a estrutura do concurso em si é absolutamente inadequada para o fim a que se propõe. Seria possível, por exemplo, a seleção de um médico que tenha acertado uma única questão de medicina, mas tenha acertado todas as demais de conhecimento geral, português e matemática. E, sem avaliação subjetiva, ele tomaria posse sem que o Município soubesse se ele tem condições mínimas de diagnosticar doenças simples. Somada às suspeitas já levantadas acima, tem-se que pode ter havido deliberação consciente de abertura de uma avalanche indistinta de vagas e para dificultar acompanhamento e fiscalização do resultado. O Ministério Público vai mais a fundo, e encontra divergências ainda sobre as matérias que serão cobradas em cada concurso e que não teriam relação alguma com o cargo a ser provido. Cita, por exemplo, que para o técnico em artesanato será cobrado o Estatuto da Criança e do Adolescente. E para eletricista NÃO será cobrado qualquer matéria específica da profissão. A suspeita que se forma é de que o concurso é uma bagunça deliberada e intencional e que pouco importa o que ali consta como conteúdo programático porque o resultado será aquele que se definir de antemão. E isso porque se importar mesmo o resultado qualitativo do certame, a prova não pode ser realizada. Alguns outros fatos peculiares são ressaltados pelo Ministério Público e que fazem reforçar suspeita de algo errado. Note-se, por exemplo, que o encarregado de estradas municipais receberá uma remuneração idêntica à de um enfermeiro. Álvares Florence é um município de 2.500 habitantes. Estradas municipais não são grandes rodovias e seu cuidado não exige muito mais do que o regular cuidado com o asfalto. Mas uma enfermeira ruim, sozinha, pode matar meia cidade. Aquele cargo, segundo o Ministério Público, seria um dos encomendados para uma pessoa muito próxima do Prefeito. Aqui já é mais especulação. Mas chama a atenção vermos que justamente para esta profissão (encarregado de estradas), a prova NÃO cobrará conhecimento específico algum, limitando-se a exigir matemática, português e conhecimentos gerais. Aliás, a prova aqui será idêntica à do interessado em ser Gari, mas pagando muito mais. Quem diabos iria prestar a prova para Gari, com trabalho tão cansativo, tão pesado, pagando tão pouco, se pode se candidatar, com prova idêntica, a encarregado de estradas municipais (ou jardineiro, ou eletricista, ou coveiro, ou auxiliar administrativo, ou auxiliar de controles de frotas, ou vigia noturno)? E um enfermeiro, que tem prova mais difícil, porque exige 10 questões de conhecimentos técnicos (pouco mas é algo) ganha o mesmo tanto que o encarregado de estradas que terá uma prova que será idêntica à do coveiro. Quase terminando. O concurso parece ter surgido em momento absolutamente conveniente para atender o interesse de se alocarem pessoas diversas que perderão seus empregos por conta do TAC firmado no inquérito civil 14.0474.0003056/2018-9 e em que o Município exonerará diversos comissionados contratados de forma irregular. Como a exoneração se dá em razão de provimento de cargo em comissão, não pareceria haver relação direta com a abertura de cargos de provimento por concurso. Mas o Ministério Público cita que 09 pessoas exoneradas já constam da lista de inscritos no certame. Isso, claro, por si, não é um indício de fraude, já que a perda do trabalho anterior faz com que o cidadão deseje alcançar nova colocação o mais rápido possível. São as circunstâncias somadas que fazem realçar essa peculiaridade. Agora sim, por fim. Dada a estrutura de prova, somente objetiva, com 75% de identidade entre todos os cargos, a seleção de profissionais das mais diversas será feita sem participação necessária de um único profissional da área a se selecionar. Assim, um médico pode ser selecionado por um arquiteto, que fará nada mais do que contabilizar questões do gabarito. Há, novamente, uma inadequação do procedimento à finalidade que se deseja almejar. Citem-se para contestação no prazo legal. Intime-se".?