Quem passa pelo Centro de Rio Preto pode não imaginar mas, em meio às copas de árvores da cidade, há a história de um brasileiro que tem em cima dos galhos a sua moradia. Romildo Domingues Teixeira nasceu no dia 7 de setembro. A data marcante no calendário nacional pela conquista da autonomia política é apenas uma das inúmeras coincidências que ele carrega com o País.
O morador de rua que vive há oito meses na considerada terceira melhor cidade para se viver do País - segundo o Índice Desafios da Gestão Municipal, da consultoria Macroplan - construiu em uma árvore próxima à rua Independência o seu recanto para descanso. Sobre as raízes, ele vive acima de muitos que passam pela calçada, mas não o percebem deitado sobre sua casa na árvore.
O apelido Brasil em junção à data de nascimento não são as únicas coincidências do morador de rua que completará 50 anos em menos de 15 dias. A tatuagem no rosto da bandeira nacional e a frase histórica "Independência ou Morte", marcada no peito, forjam um brasileiro que ama genuinamente o País, mesmo vivendo à mercê da sociedade.
Ao ser questionado sobre a paixão pelo Brasil, num período em que muitos desacreditam da política, ele cita a natureza como seu grande afeto. "Eu amo o Brasil, me identifico com a bandeira desde dos sete anos de idade. Pegava ela e colocava em cima da árvore quando era menino, até que resolvi estampar a bandeira no rosto. Tenho a tatuagem não por causa de jogo de futebol, mas por amar a natureza desse País".
Paixão pela natureza que o levou a também construir uma casa na árvore no meio da Mata Atlântica, na região do Guarujá, onde residia antes de vir para Rio Preto. "Eu já morei na mata, dormi em cima de uma árvore, tinha até uma cozinha. Lá tinha cachoeira, lembro que até plantei abacaxi, mas sinto muita falta mesmo é do meu cachorro, que se chama Presente", contou emocionado.
Ao falar sobre os motivos que o levaram a morar na rua, ele explica com uma frase simples, mas que significa a grande perda de sua vida: "Separação. Começou depois que meu relacionamento amoroso não deu certo".
O artesão, que trabalhava nas praias do litoral paulista, revela que depois da separação chegou a ir a pé ao Rio de Janeiro, rodou o País de bicicleta e veio a Rio Preto de carona com motoristas que estavam a caminho da região Noroeste Paulista. Na época, o intuito de Brasil era encontrar familiares, que segundo ele, viraram às costas quando mais precisou.
Romildo, como poucos o conhecem, estudou até a sétima série do Ensino Fundamental, mas é um assíduo leitor de Machado de Assis, Monteiro Lobato e até Allan Kardec. Na casa na árvore, ele guarda o que considera as maiores relíquias que alguém pode levar da vida, o conhecimento.
A casa possui até uma escada feita com pedaços de madeira, caixas onde deposita seus remédios e um "teto" improvisado que o protege das chuvas. O que chama a atenção é o carinho com que todos o atendem. É como se Brasil fosse uma celebridade em Rio Preto. Quem estaciona o carro embaixo da árvore para ir à agência bancária ao lado de sua casa em meio aos galhos, muitas vezes já sabe que ali mora Brasil.
"Quando cheguei em Rio Preto dormi três dias na calçada, mas como já tinha dormido em árvore, pensei, será que esse povo vai me deixar morar na árvore? Peguei uma bandeira que consegui comprar e a usei como porta, aí fui atrás de lixeiras e fui juntando o material, até que consegui terminá-la", explicou.
Entre inúmeras tatuagens pelo seu corpo, uma chama a atenção: a palavra "paz" estampada em sua testa. O local, onde muita gente não tem coragem de estampar um desenho, para Brasil, é onde pode expressar a palavra que segundo ele se complementa com as lágrimas: "Quem não tiver paz um dia vai chorar por ela".
Os trabalhos informais que às vezes consegue, como entregando panfletos para conseguir dinheiro para se alimentar, ajudam o morador do Centro de Rio Preto. Mas o grande sonho dele é o tratamento dentário. "O que eu mais queria hoje na minha vida é arrumar os meus dentes e buscar o meu cachorro", disse.
Apaixonado por Rio Preto e mesmo com as dificuldades da vida, ele diz que nada tira a felicidade de ainda estar vivo e de dividir o pouco que tem com os irmãos que também vivem na rua. "Não sei o dia de amanhã. Agradeço ao povo daqui, já passei por vários lugares e nunca vi cidade tão acolhedora.
(Rone Carvalho - Diário da Região)